Professores resgatam o lado prático (e espantoso, criativo, estimulante) da disciplina.
Em 1852, ao colorir um mapa da Inglaterra, o jovem Francis Guthrie percebeu que lhe bastavam quatro cores para cobrir todos os distritos do país sem que fosse preciso pintar quaisquer distritos adjacentes com a mesma cor. A descoberta deu lugar a uma intuição espantosa: qualquer mapa bidimensional poderia ser pintado daquela maneira, com quatro cores ou menos, não importando o formato ou a disposição das regiões desenhadas. Comprovado mais de um século depois, em 1976, o Teorema das Quatro Cores é, ainda hoje, conceito essencial para a cartografia.
A história desse e de outros teoremas matemáticos revela um aspecto que nem sempre é óbvio: a Matemática é um conjunto de proposições abstratas que servem para resolver problemas concretos. O que a princípio podem
parecer apenas símbolos e regras desligados da vida prática são ferramentas que o homem criou para descrever e prever fenômenos reais. Os pitagóricos estudavam triângulos para medir e dividir terrenos. Tales de Mileto, para
calcular a altura de pirâmides. Números primos são usados em criptografias, e a geometria fractal é aplicada em campos tão diversos quanto o estudo do câncer, os efeitos especiais do cinema ou o mercado de ações.
Para um professor, resgatar esse lado concreto da Matemática é a chave para que a disciplina tenha significado para seu aluno – que, assim, se torna capaz de efetivamente aprender. Segundo Vanderlei Cardoso, que dá aula no Ensino Médio do Sabin, “a Matemática pode ser ‘bonita’ ou ‘feia’, depende do professor. Se ele não mostra ao aluno por que está ensinando e onde é empregado aquele conhecimento, o aprendizado fica só no ‘decoreba’; com o
tempo, é esquecido”.
Também professor e assessor de Matemática para o Ensino Fundamental II e Médio do Sabin, Dalson Graça faz coro ao colega, afirmando que cabe a eles aproximar os conteúdos da vida real dos alunos. “Quem compra 20 abacaxis?”, pergunta Dalson, ironizando o que seria uma típica questão matemática descolada da realidade (Comprei 20 abacaxis, comi 5, quantos sobraram?).
Dalson e Vanderlei mostram entusiasmo ao falar sobre o que podem fazer para que seus alunos compreendam com mais clareza as aplicações práticas da Matemática, e há uma razão para isso. Há poucos meses, em agosto, eles e a professora Sandra Lieven, do 8º ano, participaram do Congresso Internacional de Matemáticos, evento quadrienal que ocorre desde 1897 e que, neste ano, foi realizado pela primeira vez no Brasil, no Rio de Janeiro. Os três voltaram energizados do evento, com ideias de jogos, brinquedos e instalações que eles pretendem trazer para o Sabin. “Foi uma experiência marcante conhecer projetos de diversos países ao redor do mundo, [muitos dos quais] mostram as aplicações de conceitos matemáticos com criatividade”, diz Dalson, que afirma estarem planejando um grande espaço de aprendizagem interativa para a Mostra Cultural de 2019, em que o público poderá conferir alguns desses projetos.
Melhor que expor tais ideias criativas em apenas um dia de mostra, contudo, é cultivar essa visão da Matemática no dia a dia dos alunos, durante todo o ano letivo. Esse cuidado, porém, o Sabin já demonstra em sua proposta pedagógica há bastante tempo.
Tornar a abstração tangível
Entre as estratégias adotadas nas aulas de Matemática da Educação Infantil e do Fundamental I do Sabin, essa é uma das mais importantes. É o que explica Maria Teresa Mastroianni, assessora da disciplina para as duas primeiras fases da Educação Básica.
Desde os primeiros anos de escola, segundo a assessora, é recorrente o uso de brincadeiras e jogos que familiarizam o aluno com o conceito de representação numérica e promovem o exercício da contagem. Lança-se o dado, e os três pontinhos pintados na face sorteada indicam que a peça terá de avançar uma, duas, três casas no tabuleiro. Pelo mesmo princípio, um dos primeiros aprendizados que se constroem sobre a relação entre geometria plana e espacial se dá, literalmente, com a mão na massa: de um cubo feito com massinha de modelar, achate-o com a mão e se tem um quadrado.
Ainda de acordo com Maria Teresa, o aluno que chega ao 5º ano dominando os algoritmos convencionais das operações aritméticas já exercitou muita “conta de somar” ou de “multiplicar”, primeiro, manuseando ábacos, desenhando bolinhas no papel, pintando quadradinhos em matrizes gráficas. E como fazer a turma compreender, na prática, quanto é um metro quadrado? “Abrimos no chão uma folha de papel-jornal, de 1 metro por 1 metro, e propomos o desafio: quantos de vocês cabem de pé aqui? Vamos testar?”, conta Maria Teresa.
Aliás, se tangibilizar é palavra-chave, desafiar é outra, já que, por meio de desafios – jogos, enigmas, etc. –, o professor dá ao aluno problemas reais para serem resolvidos. “Para que aprender probabilidade, por exemplo?”, pergunta a professora Sandra. “Bom, alguém que entende que é mais provável tirar 7 do que 12 num lance de dois dados tem mais chances de ganhar o jogo”.
O segredo, diz Dalson, é fazer o aluno querer resolver problemas, ou achar soluções ainda melhores para eles. Aguçar no aluno a vontade que, segundo o professor, a escola tradicional não alimentava suficientemente. “Um modelo antigo de ensino de Matemática não tinha muito espaço para a curiosidade e para a criatividade. Hoje, é exatamente isso que queremos”, diz o professor, que busca inspirar seus alunos a questionar a realidade à sua volta e usar a Matemática para obter respostas. O caminho mais rápido entre dois pontos é mesmo uma reta? (Spoiler: nem sempre.) Faz sentido uma bicicleta de rodas quadradas? (Surpresa: numa pista ondulada, faz, sim.) Quantas cores são necessárias para se pintar um mapa?
“Esse tipo de pergunta pode ser a base de um projeto para a vida inteira do aluno. Pode, lá na frente, levá-lo a descobrir um modelo mais ágil de fluxo de veículos nas estradas. Uma maneira mais eficaz de distribuição de água em regiões secas. Uma forma mais precisa de determinar o preço de um produto. É para isso que serve a Matemática”, diz o assessor.