Notícias

25/06/2019

Jogo da vida

Como disciplina, modalidade eletiva ou esporte competitivo, as lições do Xadrez ultrapassam os limites do tabuleiro.

“Dama, b3!”, exclama uma aluna do professor Antonio Carlos de Resende, em resposta ao desafio projetado na lousa da sala de Xadrez do Albert Sabin. A imagem mostra um tabuleiro de Xadrez com algumas peças brancas e pretas dispostas numa posição que, segundo Resende, permitiria às brancas dar um xeque-mate no Rei preto em um lance apenas. Qual seria esse lance? “Torre, a6!”, arrisca outro aluno. A aula do 3º ano F do Fundamental está só começando.

Os alunos têm de 7 a 8 anos de idade e, em sua maioria, conhecem as regras do Xadrez há pouco mais de um ano, mas já falam com desenvoltura sobre possíveis lances, utilizando a notação algébrica para identificar as casas do tabuleiro para onde mover as peças. O professor vai ouvindo a turma e testando os lances propostos. O xeque-mate da aluna com a Dama na casa b3 é evidente para todos, e Resende a parabeniza. Já o aluno que propôs levar a Torre à casa a6 não tem a mesma sorte. “E aí, classe, daria certo?”, pergunta o professor. Os alunos percebem o furo na estratégia do colega: o próprio Rei preto capturaria a Torre atacante. “Mas você tentou, valeu sua participação”, diz Resende. Tentar e errar não é problema no Xadrez, afinal; é aprendizado. Apenas um dos diversos aprendizados proporcionados por um jogo cujos benefícios para o desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças e jovens ultrapassam, e muito, os limites do tabuleiro.

Presente no Colégio desde a fundação, o Xadrez está inserido na proposta pedagógica do Sabin em três circunstâncias: como parte da matriz curricular obrigatória do Fundamental I (2º a 5º ano), com uma aula por semana; como atividade oferecida pelo Programa Sabin+Esportes&Cultura a alunos de 2º ano do Fundamental até o Ensino Médio, também com uma aula por semana; e, para aqueles com aptidão, como esporte de treinamento. O Sabin tem duas equipes oficiais de enxadristas – uma com alunos de 3º e 4º anos, outra com alunos do 5º ano em diante –, que treinam periodicamente para se preparar para torneios externos. Professor e técnico de Xadrez escolar há décadas, Mestre Internacional de Xadrez (título oficial da Federação Internacional de Xadrez), Resende é o responsável por ensinar e treinar todos esses alunos.

Segundo ele, as aulas da disciplina regular são planejadas em dois blocos: um de iniciação, para 2º e 3º anos, no qual os alunos são apresentados às peças, aos seus movimentos e às regras, e solucionam desafios básicos de raciocínio lógico; e uma segunda fase, para 4º e 5º anos, em que já exploram táticas de abertura, de defesa, de xeque, e estratégias mais complexas, que exigem a previsão de um maior número de lances. Além, é claro, da prática constante, o momento em que os alunos se emparceiram para jogar uns com os outros, numa algaravia que pode surpreender um visitante, mas que tem explicação pedagógica: “Ao contrário de um torneio, é um crime dizer ‘Façam silêncio!’ numa aula de Xadrez”, diz Resende. “Conversando, eles se autocorrigem, consolidam estratégias, aprimoram sua compreensão de jogo e melhoram como jogadores”.

Já os treinos das equipes oficiais, diz o professor, têm como mote a performance competitiva – aprendizado e aperfeiçoamento de estratégias, preparo emocional, etc. –, ao passo que as aulas do Sabin+Esportes&Cultura podem ter um caráter mais lúdico.

São oportunidades para os alunos treinarem, sim, mas também, e principalmente, para se divertirem – inclusive porque, diz Resende, “o Xadrez tem diversos jogos dentro do jogo”. Ele se refere a variações possíveis que costumam encantar os alunos, como o Xadrez Australiano (jogado em duplas, com dois tabuleiros; uma peça capturada por um jogador é adicionada ao exército do parceiro no tabuleiro ao lado), o Xadrez Objetivo (em vez de capturar o rei, os jogadores sorteiam cartelas com missões específicas, como “capturar um bispo e dois cavalos”) ou o Xadrez Quem-Perde-Ganha (os jogadores são obrigados a capturar as peças vulneráveis um do outro; ganha quem perder as peças primeiro).

Seja nas aulas, seja nos treinos, seja no Sabin+Esportes&Cultura, a constante é que o Xadrez tem muito a ensinar a quem o pratica, com reflexos comprovados não só no rendimento de jogo como no desempenho escolar, na qualidade das competências emocionais e nas interações sociais dos alunos. “O Xadrez na sala de aula trabalha competências e valores que servem para além do jogo”, diz Dionéia Menin, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e do Fundamental I, que cita exemplos: “Tomar decisões, lidar com as consequências, superar o revés de uma decisão ruim e buscar formas de se recuperar”.

Há bases estatísticas para as afirmações da coordenadora. Em artigo de julho de 2018, no qual faz uma revisão da literatura científica sobre o assunto, o vice-presidente da Fundação de Xadrez de Chicago, Jerry Neugarten, enumera alguns dos benefícios do Xadrez escolar para a educação de crianças e jovens americanos. Entre eles, Neugarten nota melhorias comprovadas na pontuação em provas de Matemática, em provas de leitura, na frequência escolar, no respeito dos alunos pelos colegas, na autoconfiança, na gestão do humor, na tolerância à frustração, no pensamento crítico, na criatividade e na capacidade de resolução de problemas.

Sobre este último item, o americano nota que o Xadrez estimula um “padrão ou sistema de pensamento”, que é o de nunca se contentar com a primeira ideia, mas sempre “procurar mais e diferentes alternativas” para um problema
– um exercício valiosíssimo e que, dada a complexidade do jogo, jamais será repetitivo. Após alguns lances em qualquer partida normal de Xadrez, argumenta Neugarten, “os contextos são familiares, os temas se repetem, mas as posições de jogo nunca o fazem. Isso faz do Xadrez um bom combustível para a usina de resolução de problemas”.

A tudo isso Resende acrescenta, ainda, a forma como o Xadrez exercita a capacidade dos alunos de manter a calma sob pressão. E, não menos importante, o espírito esportivo. “Eles sabem que precisam dar o melhor de si em cada jogo”, diz o professor, “mas também que, ganhando ou perdendo, sempre devem respeitar o parceiro”.