Conhecer-se no presente para construir-se no futuro

Em junho, alunos do Ensino Médio foram mais uma vez confrontados com a pergunta que, para alguns, é fonte de grande aflição: que profissão você vai escolher? Mas dessa vez a pergunta não veio com nenhuma carga de cobrança ou expectativa. Marina Segnini dos Santos deixou claro que a escolha era absolutamente pessoal e que nenhuma resposta seria um erro – seu único objetivo era ajudar os alunos a ser fiéis a si mesmos. Psicóloga, psicanalista e especialista em orientação profissional, Marina ministrou um workshop durante a Semana de Profissões do Sabin, no qual envolveu alunos em um trabalho de autoconhecimento necessário para que o processo da escolha seja o mais assertivo e menos sofrido possível. Aqui, ela expõe um pouco mais o que pensa do assunto, refletindo sobre a participação dos pais na decisão dos filhos, o mercado de trabalho e por que, mesmo com crise econômica, o pragmatismo não pode sufocar os sonhos.

Que pergunta um jovem deve fazer ao escolher uma carreira: do que gosto, o que sei fazer bem ou o que vai me sustentar?
Todas são importantes, mas acredito primeiro em olhar para si mesmo. “Do que eu gosto”, não do ponto de vista abstrato, mas concreto – aquilo que me vejo fazendo de fato e me sentindo bem. No nosso trabalho, enfatizamos que a escolha é pessoal. Eu só me realizo se estou fazendo algo que tenha sentido para mim. A gente tenta limpar um pouco o campo das expectativas dos outros – dos pais, dos colegas, da escola.

Como se trabalha isso?
A gente auxilia no processo de autoconhecimento, de olhar para si mesmo de maneira orientada. O que vou procurar em mim para fazer uma escolha? Temos, por exemplo, cartazes com vários critérios bem claros: “Gostaria de trabalhar em ambiente formal ou informal? Lidar com má- quinas ou pessoas? Interagir com crianças, jovens, adultos ou idosos?” É bem concreto e faz o jovem pensar – aliás, não só o jovem, qualquer um, tanto que esse material também é usado para transição de carreiras.

Além de se conhecer, é preciso conhecer também o mercado de trabalho, não?
A grande questão é que esse jovem se sinta realizado. No entanto, ele também tem de levar em conta o mundo concreto. Buscar informação, fazer uma pesquisa, saber das dificuldades. Por exemplo: se eu for fotógrafo, vou ganhar menos que meu amigo que vai fazer Engenharia Civil? Não se sabe. É mais fácil você adquirir rapidamente um emprego formal, com carteira assinada, seguro-saúde, bônus no fim de ano, sendo engenheiro civil? É. O fotógrafo provavelmente vai ser um profissional autônomo, com remuneração variável. Mas, talvez, ele pode ser muito bem-sucedido, ter muito trabalho e ganhar até mais do que um engenheiro civil. Ok, você sabe de tudo isso? Sei. Esse processo de pesquisa é fundamental. A gente tem instrumentos para ajudar o jovem a pensar sobre si mesmo e a fazer essa pesquisa – mas é ele quem vai descobrir.

Como os pais podem ajudar no processo de escolha do filho?
Primeiro, apoiando. É uma coisa básica, óbvia, mas às vezes não acontece. O filho diz: “Quero fazer Moda”. E o pai: “Meu filho, Moda?! Não dá…” Espere um minuto, pai, vamos ver o que é Moda. “Filho, você quer Moda? Então vamos pesquisar, vamos falar com um profissional da área”. É autorizar esse filho a sonhar, a se projetar no futuro. Com apoio, mesmo emitindo opinião sobre o assunto – até porque pais próximos conhecem seus filhos e podem auxiliar no processo com opiniões importantes. O filho diz: “Quero fazer Arquitetura”. O pai pode dizer: “Ok, filho, acho que não é a sua praia, porque eu o conheço, mas vamos ver o que um arquiteto faz, vamos conhecer a matriz curricular”. Enfim, é tornar esse momento também um momento da família, para que o jovem não fique sozinho lá no quarto, aflito.

O mundo atual – especialmente com a crise – não exige mais pragmatismo dos jovens?
Eu acho que o momento atual é difícil para o jovem. Porque, aos 16 e 17 anos, é quando a gente pode mais sonhar e experimentar. Daqui a 15 anos, ele estará em outro momento de vida, terá mais responsabilidades e dificuldades para fazer escolhas. E aí eu acho que, quando pressionado – pela mídia falando em crise, pela família, porque não sabe se vai ter emprego, boa remuneração, se vai se sustentar ou ser sustentado pelo pai, que também está tenso com o próprio futuro –, tudo isso se mistura e faz com que esse jovem fique aflito para pensar criativamente toda a sua potencialidade. A preocupação de ser funcional breca, retira do jovem toda essa potência que ele tem de repensar a sociedade, de criar o novo, de se contrapor ao status quo.

Diz-se que a geração atual – os millennials – é em geral mais impulsiva, menos compromissada, não “veste camisa”. Esse tema aparece na orientação profissional?
Tenho uma certa crítica sobre esse discurso, que é meio ideológico. Quem fabricou pessoas que não “vestem a camisa” foi o mercado de trabalho, que demite assim [estala os dedos]. Você pode ser demitido mesmo “vestindo a camisa”. Tem também o discurso: “Vamos trabalhar em equipe – mas no fim do ano a gente avalia individualmente e dá bô- nus para o melhor, ok?” Ora, por que eu vou trabalhar em equipe? Eu acho que essa é uma geração com muitas possibilidades. Outro dia, vi numa reportagem que daqui a 15 anos algumas atividades de trabalho terão acabado e surgirão outras que a gente nem imagina. Por isso, relativizo um pouco essas preocupações concretas de acertar de primeira, de se dar bem, de se encaixar no mercado, porque acho que tudo isso tolhe a criatividade. Acho que ser flexível, ser ágil, fazer projeções de futuro em não tão longo prazo, acho que isso, sim, é mais importante. E ser bom naquilo que se faz, naquilo que se escolheu. A camisa você acaba vestindo – não como seu avô, que o fez por obrigação, mas porque você se empenha, porque você se orgulha e vai. Em geral, as pessoas querem fazer bem-feito.

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