Infância desemparedada

Por que o contato livre com a natureza é bom para o meio ambiente e melhor ainda para as crianças?

Reunidos para mais uma aventura, o Homem de Ferro e o Capitão América – dois Capitães América, para ser exato – escalam os galhos de uma árvore. Perto dali, uma princesa descobre o cheiro de uma flor, enquanto duas exploradoras cavam um buraco na terra, em busca de tesouros escondidos. Mais adiante, um grupo de amigos disputa uma corrida na grama.

Os super-heróis, a princesa, as exploradoras e os corredores são alunos do Pré II do AB Sabin e estão aproveitando uma manhã de lazer no bosque do Colégio. Pelo menos uma vez por semana, todas as turmas visitam o lugar, seja para brincar livremente no amplo espaço verde, seja para participar de atividades mediadas, como piqueniques, rodas de leitura e investigações científicas. Somam-se a esses momentos as visitas ao parque das águas – quinze minutos de diversão nos chafarizes ao lado do bosque, antes das
aulas de Natação – e às hortas de plantas alimentícias e medicinais que ficam no pátio inferior, e pode-se dizer que o contato com a natureza, ao ar livre, compõe boa parcela da rotina semanal dos alunos do AB Sabin. O que é muito
bom, e por mais razões do que se percebe a princípio.

Segundo Mônica Mazzo, diretora pedagógica do AB Sabin, o primeiro objetivo para promover o contato dos alunos com plantas e elementos naturais é o de incutir neles a percepção de natureza como algo concreto, presente, próximo – e, portanto, merecedor de respeito. “As novas gerações estão crescendo longe da natureza, por isso não desenvolvem nenhum vínculo. A criança até aprende, racionalmente, que é preciso cuidar das plantinhas e dos animais, mas sem sentir uma real conexão que a faz querer cuidar”, diz a diretora, que cita o jornalista americano Richard Louv ao dizer que, “para a nova geração, a natureza é mais uma abstração do que uma realidade”.

Louv é cofundador do movimento internacional Children & Nature Network e tornou-se conhecido por sua obra A Última Criança nos Bosques: Salvando nossos Filhos do Transtorno do Déficit da Natureza, de 2005. Não se trata, tal
“transtorno”, de nenhuma condição médica, mas de termo cunhado pelo jornalista para descrever sintomas resultantes da carência de ambientes naturais no cotidiano das novas gerações: excesso de peso, habilidades motoras pouco desenvolvidas, dificuldades de concentração e aprendizagem,
problemas emocionais e de convivência, entre outros.

No Brasil, entidades como o Instituto Alana, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, têm ajudado a divulgar as ideias de Louv. O livro Desemparedamento da Infância: a Escola como um Lugar de Encontro com a Natureza (Instituto Alana: 2018) deixa isso claro: “Nos últimos anos, vimos surgirem muitas pesquisas que sugerem o que alguns educadores, pais e especialistas atestam há décadas: o convívio com a natureza na infância, especialmente por meio do brincar livre, ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e de resolver problemas”.

Nas visitas dos alunos ao bosque ou às hortas do AB Sabin, é possível ver como isso é verdadeiro.

Como nota Mônica Mazzo, “na natureza, os brinquedos não estão prontos”: o graveto precisa da criança para se tornar espada, a caça ao tesouro requer imaginação para acontecer. A diretora contrasta tais exemplos com a maior passividade de uma criança diante de dispositivos eletrônicos.

Se um aluno preferir, por outro lado, ficar quieto em um canto, longe das aventuras dos colegas, também isso reflete sua escolha consciente em não participar – e isso pode ser positivo. De acordo com o Instituto Alana, os espaços externos são, para as crianças, “o lugar da liberdade, onde as vivências têm fruição, onde o adulto não controla seus corpos”; a natureza acolheria tanto “a pulsão expansiva, de movimento ou interação” como a “necessidade de introspecção e solidão” da criança.

Há, ainda, em ambientes naturais, algo menos presente em sala de aula ou em espaços projetados; algo que, a princípio, pode preocupar pais e mães, mas que é fundamental para o desenvolvimento integral da criança: há riscos. A
escalada na árvore pode levar a uma queda, a corrida na grama pode resultar em trombadas. Formigas podem morder. Espinhos podem furar.

Deve-se notar, contudo, que, prevenidos os perigos realmente graves pela supervisão de adultos, esse contato da criança com o risco é, antes de tudo, uma oportunidade de ensiná-la a dimensionar a consequência de seus atos, pesar os prós e os contras e tomar uma decisão – mesmo que a errada. “Nesse processo, as crianças vivenciam acidentes de pequena consequência para, com eles, aprender a evitar os grandes acidentes no futuro”, defendem as especialistas do Instituto Alana.

“É como nas aulas de Educação Física: o professor tem técnicas para evitar acidentes graves, mas ele sabe a hora de deixar o aluno cair – até para aprender a cair”, diz Suzy Vieira, coordenadora pedagógica do AB Sabin. Segundo ela, “cuidar (que envolve proteger a integridade da criança) e educar (que envolve expô-la a riscos controlados) têm o mesmo patamar de importância”.

De fato, é justamente ao se aventurar mais, ao explorar mais – subindo em árvores, saltando dos galhos, correndo soltos – que os alunos exercitam o equilíbrio, a agilidade e demais habilidades motoras que minimizarão riscos futuros, além de desenvolver sua autoconfiança, sua curiosidade intelectual e até o uso efetivo de todos os sentidos. Olfato, paladar, audição e tato saem enriquecidos de um dia em contato com flores, frutos, ervas, pássaros, insetos, grama, terra, água. A própria visão se expande: “Na frente da TV ou do videogame, eu estou focada na tela; na natureza, eu estou atenta a todos os meus amigos e às paisagens à minha volta, minha visão periférica é acionada”, diz Suzy Vieira, acrescentando que, no desenvolvimento infantil, a visão periférica está relacionada com a ampliação da visão de mundo.

Não é, portanto, apenas em nome da consciência ambiental que o AB Sabin vem promovendo cada vez mais o contato dos alunos com a natureza. Mas porque, se eles podem aprender a fazer muito pelo meio ambiente, também o meio ambiente pode fazer muito por eles.

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