Mestre de cerimônias da festa de encerramento do Impacta Sabin, em setembro, o ex-judoca Flávio Canto diz ter ficado impressionado com o que viu na premiação: um apanhado dos melhores projetos sociais criados pelos alunos do Albert Sabin. Sua opinião está longe de ser desprezível. Aos 43 anos, Canto soma 25 de serviços sociais. Começou aos 18, visitando orfanatos e asilos e distribuindo roupas a moradores de rua às vésperas do Natal, e há 15 anos fundou o Instituto Reação, que oferece aulas de Judô a comunidades carentes do Rio de Janeiro. Foi dali que saiu a campeã olímpica Rafaela Silva, medalha de ouro nos Jogos do Rio, em 2016, três anos depois de se tornar a primeira brasileira a se consagrar campeã mundial da modalidade. Mais do que troféus, o Reação deu a Rafaela e a outros milhares de alunos autoestima, acolhimento e valores. Por isso, Canto valoriza tanto iniciativas como a do Sabin. Porque entende que empreender socialmente é preciso. Para construir um mundo melhor, diz ele nesta entrevista, “não há alternativa”.
Como surgiu a ideia de criar o Instituto Reação?
A ideia foi construída ao longo da minha vida. Eu vivi meio como nômade: nasci na Inglaterra, vim para o Brasil com meus pais, que são brasileiros, aos 2 anos e morei aqui até os 9. Dos 9 aos 11, vivi fora de novo, na Califórnia e na Inglaterra. Retornei ao Brasil e aos 19 entrei na Seleção Brasileira de Judô e passei a rodar boa parte do tempo por lugares mais desenvolvidos que o nosso, do ponto de vista de justiça social. Então, cresci com essa possibilidade de comparar o Brasil a outros lugares e com vontade de fazer algo diante de tanta injustiça.
Quando você começou a se envolver com ações sociais?
Aos 18, mais ou menos. Fazia ações pontuais, como visitar orfanatos para distribuir brinquedos, visitar asilos, distribuir roupa na rua no Natal. Em 2000, eu estava na Seleção fazia quatro anos e perdi uma seletiva importante para a Olimpíada de Sidney. Funcionou como momento de virada, de entender que era hora de fazer algo mais consistente, não apenas ações pontuais. Comecei a dar aula de Judô na Rocinha, que era o que eu fazia melhor, e logo percebi que o esporte tem valores que são absorvidos e incorporados pelos alunos. Eles melhoravam na escola, melhoravam em casa. Ganhavam pertencimento, autoestima, tudo aquilo que muitas vezes vão procurar no tráfico.
Acha que a saída para a violência passa pelo social?
Não há dúvida. A gente tem a alternativa – que também é necessária – da repressão. Não tem como fugir dela, porque segurança pública hoje é um problema relevante no País. Mas não se pode deixar de atacar a origem que gera tanta violência, que, na minha opinião, é a pobreza, a falta de oportunidades na largada, a injustiça social que forma gerações sem valores, que buscam referências no Comando Vermelho, no PCC, no Terceiro Comando, na milícia.
Que valores e referências o Instituto Reação quer passar?
Trabalhamos com uma metodologia em três fases: construir, conquistar e compartilhar. Em cada fase, a gente trabalha uma série de valores: coragem, humildade, disciplina, honra, excelência e solidariedade. À medida que cresce, a criança incorpora esses valores no dia a dia. O próprio nome do instituto carrega um valor. É uma homenagem a um momento pouco percebido no Judô, mas de extrema importância. As pessoas costumam considerar o Judô uma arte marcial em que um tenta derrubar o outro, mas tem outro momento fundamental, que é aquele em que a gente se levanta. A gente treina isso diariamente: cai, levanta, cai, levanta, derruba. O sucesso da luta está ligado à quantidade e à qualidade de reações, de vezes em que a gente se levanta. Esse momento tem um simbolismo forte também em termos de sociedade. A sociedade não pode mais ser passiva. Tem de chamar a responsabilidade para si e fazer parte da mudança.
Por que é importante investir em projetos sociais, como o Instituto Reação?
Porque não há alternativa. É indispensável a gente construir uma nação, uma sociedade, uma juventude que tenha esse empreendedorismo social. O pai do Bernardinho [ex-jogador e ex-técnico de Vôlei] fala uma coisa muito legal,
que o sucesso está baseado em três pilares: competência profissional, integridade moral e solidariedade social. Se a gente não investir nesses três pilares, não consegue o sucesso da forma mais plena. Por isso, para mim, fazer
parte do Impacta Sabin foi muito bonito; até saí com mais esperança por ver uma escola que está investindo nesses três pilares.
O que achou da iniciativa do Sabin e dos projetos apresentados?
Foi um respiro nesse momento político tão duro que a gente está vivendo. Poder fazer parte desse movimento, estimular a garotada a ter um olhar para o próximo, a compartilhar, algo que está ligado à nossa filosofia no Reação, foi lindo. Fiquei com vontade de ter filhos, de morar em São Paulo e de colocá-los no Colégio. Vi projetos espetaculares, criativos. É uma competição em que todo mundo ganha, todo mundo sai vitorioso. Então, a comemoração
não é só para quem levou o prêmio mas para todo mundo que refletiu, que foi provocado a pensar num mundo melhor. Eu vi muita gente que tenho certeza de que vai fazer diferença na sociedade lá na frente.
Que palavra de encorajamento ou recomendação você deixaria para os alunos do Sabin?
Primeiro, quero dar parabéns a todos. Costumo dizer que esse é um caminho sem volta, porque, quanto mais a gente se envolve, mais se percebe importante para fazer do mundo um lugar melhor. Então, que ninguém perca a motivação. O Impacta Sabin é só o começo, um despertar. Não importa a profissão que cada um venha a escolher, não se deve nunca esquecer que o sucesso só faz sentido quando pode ser compartilhado. Todo mundo tem de criar, dentro dos seus sonhos, projetos que consigam, de alguma maneira, construir um mundo melhor.