“Grande é a diferença entre o turista e o viajante”, escreveu Cecília Meireles, em uma de suas Crônicas de Viagem. Segundo a autora, o turista seria alguém “que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas”. Já o viajante desejaria algo mais profundo: “morar em cada coisa, descer à origem de tudo”. O turista compraria sensações agradáveis e experiências confortáveis. O viajante buscaria descobrir “um mundo histórico, filosófico, religioso e poético em palavras aparentemente banais” de um novo idioma, nas “pedras mais toscas” de um novo lugar; em um pedaço de coluna, em uma porta, em uma pintura. Viajar, para Cecília, era aprender.
No primeiro semestre de 2017, alunos do Fundamental II do Sabin tornaram-se viajantes. Primeiro, em março, um grupo de 7º ano passou três dias e duas noites no acampamento Peraltas, na cidade de Brotas, a 235 km da capital. Em maio, foi a vez do 8º ano descer a Serra do Mar, começando com uma visita a Paranapiacaba e seguindo serra abaixo até Santos. E, entre o fim de maio e início de junho, alunos do 6º ano foram às cidades de Itu, Salto e Porto Feliz, no interior do Estado. Não foram a passeio.
Em comum, as saídas pedagógicas do Sabin sempre visaram despertar nos alunos o olhar interessado a que Cecília Meireles se referia em sua crônica. Mas, como explica Denise Masson, assessora de Língua Portuguesa e uma das responsáveis por elaborar os projetos interdisciplinares resultantes das viagens, neste ano o Colégio teve mais uma razão para enfatizar o aspecto pedagógico das saídas. “A Unesco propôs que 2017 fosse o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento”, diz Denise. “Enxergamos na proposta a possibilidade de refletir sobre o ato de viajar em si, no tempo e no espaço”.
O conceito de turismo sustentável, afinal, remete a valores como o respeito do viajante pelo meio e pela cultura locais, a conservação do patrimônio – histórico, arquitetônico, artístico, natural – e a ideia de que todo novo lugar aonde se vai tem algo a ensinar: sobre quem lá vive e sobre nós mesmos. “Viajar é sentir-se conectado à humanidade”, diz Denise. “É entender um pouco mais sobre quem éramos, quem somos hoje e como somos definidos pela relação do homem com o meio”. Foi o que os alunos do Fundamental II aprenderam.
De rochas formadas há centenas de milhões de anos ao lixo jogado nos dias de hoje nas águas do Rio Tietê, a viagem do 6º ano ao interior de São Paulo atravessou eras. Como nas saídas pedagógicas das demais séries, tratava-se de projeto interdisciplinar. Se para as aulas de Ciências e Matemática os alunos elaboraram estudos sobre impactos do lixo no rio e estatísticas de coleta e reciclagem, em Geografia e História eles refletiram sobre o potencial turístico de uma região que conta com belezas naturais e dois importantes sítios geológicos, o Parque do Varvito, em Itu, e o Parque da Rocha Moutonnée, em Salto, ambos tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).
Para Maria Isabel (Bel) Fragoso, professora e assessora de História, a viagem revelou como a atividade turística precisa levar em conta o valor de cada rio, parque, praça – e de cada memória. “Conhecer para conservar”, diz a assessora, envolve não apenas ter uma atitude mais consciente como visitante, mas também respeitar o saber local. “Foi muito bonito ver os alunos entrevistando as pessoas, na praça no centro de Itu, sobre o passado da cidade; eles souberam ouvir”, diz Bel, referindo-se às investigações da turma sobre as águas outrora limpas do Tietê, ou sobre a antiga pedreira onde fica o maior varvito (tipo de rocha sedimentar em lâminas ou camadas) da América do Sul.
Da mesma forma, o grupo do 7º ano, que foi a Brotas, também foi com ouvidos atentos. Voltado ao ecoturismo, com trilhas, cachoeiras e arvorismo, o acampamento Peraltas se presta naturalmente a lições ambientais. Mas o tipo de perguntas que a turma fez aos responsáveis pelo lugar dá ideia do nível de aprofundamento do estudo. Perguntas como: A arquitetura é sustentável, usa materiais ecologicamente corretos? É feita a coleta seletiva do lixo? As lâmpadas são de LED? Os alimentos utilizados pela cozinha provêm da região? Os funcionários são contratados entre a população local? Se uma coisa ficou clara para todos foi que diversão e consciência socioambiental não são opostas.
A saída do 8º ano a Santos e a Paranapiacaba, por sua vez, revelou aos alunos muito mais do que o típico “bate e volta” ao litoral. O olhar dos viajantes estava voltado para o que as cidades ensinam sobre o passado e o presente, como se mirassem um espelho do tempo. Porto de Santos, Museu do Café, Estação Ferroviária; séculos de história em pedras, colunas e portas para quem souber ver.
“É uma cidade onde compreendemos um pouco mais sobre o nosso país: podemos vivenciar momentos históricos importantes, ver a economia e a herança linguística deixada por imigrantes e indígenas nos nomes dos lugares”, diz Luiza Pena, aluna do 8º C, sobre Santos. “Os alunos se encantaram; eles puderam imaginar como os fatos históricos estudados em sala realmente aconteceram”, diz a professora de Português Juliana Jurisberg de Oliveira, ressaltando o impacto da turma ao sentir concretamente como o café já fora o pilar da economia nacional, ou ao perceber a ideologia da sociedade cafeeira, representada nos vitrais da antiga Bolsa do Café, em símbolos de prosperidade e poder. “Outros alunos mostraram-se admirados ao perceber como a tecnologia da época – como o sistema ferroviário – afetava a vida diária da população”.
Viajantes exemplares – e não turistas –, os alunos do 6º, do 7º e do 8º anos preparam-se, agora, para compartilhar todo o aprendizado adquirido nas saídas pedagógicas. Em outubro, na Mostra Cultural, eles apresentarão crônicas de viagens, releituras de obras de arte, revistas eletrônicas, telejornais com entrevistas ao longo dos séculos (baronesas do café lamentando as charretes atoladas na lama e aguardando ansiosas pela estrada de ferro, imigrantes italianos sonhando com melhores condições de vida, operários de fábrica reivindicando salários, etc.) e até estátuas vivas de figuras históricas (jesuítas, bandeirantes, imigrantes, etc.), entre outros projetos. Cecília Meireles ficaria orgulhosa.